Junho. Mes das quadrilhas! Santo Antonio, Sao Joao e Sao Pedro!
Bolo de milho, cangica, pe-de-moleque,...
Sabores da minha infancia. Sabores do interior do Ceara, da querida terrinha, onde se pula, danca, brinca, corre, toma banho de lagoa, de riacho, de rio, de mar, de chuva...
Pé-de-Moleque, escurinho, dentro da palha da bananeira... daquela toceira que fica logo ali, no rego de agua que sai da pia da cozinha. Nunca falta água pra bananeira. E foi justo ali que nasceu aquele pe de tomate frondoso, que a mae vai catar um tomate bem maduro pra temperar a panela do frango... aquele curijó... almoco do domingo!
Pé-de-Moleque, temperado com erva doce que o moleque foi correndo comprar na venda do tio Jarbas.
Pé-de-Moleque, enfeitado de castanha de caju, daquelas que o moleque ajudou o pai a juntar debaixo do cajueiral, assou na palha do coqueiro, o mesmo coqueiro do qual a mae quebrou o coco para temperar a tapioca de manha bem cedo. Castanha inteira é pra venda, quebrada ou murcha é pra boca... do moleque.
“Ah! Se se quebrar bem muita!”- sonha o muleque enquanto vai tirando o miolo da castanha quente e ficando com os dedos escurecidos, igualzinho ao seu pe, ali sentado ao lado da mae e da irma, debaixo do cajueiro “da cozinha”, onde corre mais vento, um ventinho fresco da tarde...
Ta escurecendo, a mae levanta e diz que vai passar um cafe fresquinho. Aquele torrado no tacho, pisado no pilao e cuado no saco de pano de algodao. Ai que gostoso.
Cafe quentinho e tapioca com coco!- tambem bem cedinho... e o cheirinho da tapica que a mae assa e poe no pau, pra ficar durinha, crocante igual a biscoito.
Assim o moleque tem forca de correr o dia todo... vai pra escola de bicicleta e no recreio joga bola com a molecada, tudo parente e amigo, primo, filho do padrinho, primo do primo do pai, da mae, ... uma familia grande...
Pe-de-Moleque, gostoso torrado no forno da casa de farinha... pelo tio Manoel, que faz os melhores da cidade! Ele tambem é o melhor pra torrar a farinha, o melhor forneiro da regiao. O moleque ajuda o tio quando ele deixa.... torrar farinha é trabalho de responsabilidade. Tem que saber o ponto certo pra nao deixar a farinha crua nem queimada. E o moleque fica ali, aprendendo o ponto certo... quando cansa, corre e vai brincar de piao ou de bila com os primos. Farinhada é uma festa.
No final de semana, quando o pai nao grita pra fazer nada, o moleque escapole cedo e vai pra lagoa.
Lagoa cheia.
Inverno bom.
Fartura na porta do terreiro.
Pular da tabua, nadar ate o fundo, dar tainha na agua. Depois correr e se salguar de areia so para tirar em seguida noutra tainha.
A mae chega mais tarde com as meninas e comadres. Ficam mais no raso.
A mae nem se preocupa com o moleque. Aprendeu a nadar ainda bebe de colo, ali mesmo nas aguas da lagoa... assim como a molequinha mais nova, que agora mesmo aprende a andar e cair sentada na beira dagua, e todos acham muita graca da bravesa da menininha.
Cumprade Pedro vai matar um porco no sabado. Ja convidou todo mundo conhecido para a matanca... os homens vao logo de madrugadinha. A cumadre so chega mais tarde, para ajudar a prima com o sarrabulho. E a molecada fica no cajueiral do terreno, bincando.
Os pes vai ficar escurinhos, pretinhos... da cor do bolo: Pé-de-moleque!
Da cor nossa de cada dia, pois tira o chinelo para correr e pegar o frango do almoco do domingo. Aquele curijó, grandao que ja ta querendo pegar as galinhas e briga toda hora com o galo... mae nao quer ele de reprodutor nao.
“Vai moleque, pega o frango curijo e bota no grajal!”- grita a mae do pe da porteira da cozinha.
E la vai o moleque, na carreira, atras do frango ligeiro, que da cada rabiada, que deixa o moleque ali no pe da moita. A mae solta a “Traira”, a cachorra da casa, pra ajudar. Sem a ajuda da Traíra o moleque nao pega o frango hoje nao... acaba escapulindo pro mato, aí... adeus!
Traíra segura o frango, mas nao fere.
O Curijó vai ficar no grajal ate domingo cedinho, pra limpar. Agora a mae vai botar so milho pra ele comer... e talvez um restinho do farelho...a sobra do balde da comida do porco... que tambem esta na engorda pro batizado da pequena... vai ser na festa da santa. A mae fez uma promessa.
Só a tardinha a mae grita: “Vai tomar banho menino, limpar esses pes e lavar a chinela! E nao vai mais pro terreiro hoje nao!”
Ja faz tempo que o pai vendeu umas sacas de castanhas e comprou a televisao com a parabolica. Mas ele so deixa assistir depois que faz o dever de casa.
O moleque so vai fazer o dever de casa, depois que toma banho a tardinha... quando a mae grita! Nas sextas ele escapole cedo, pois a mae vai pro terco na casa da comadre e ele vai brincar de bila com os primos.
É mais divertido do que ficar ali, sentado na frente da televisao assistindo aquelas novelas. Novelas sao para as mulheres... ele quer ser macho igual ao pai.
Mas ainda esta muito cedo pra tomar uma meiotas na budega do Chico. Entao o jeito é brincar de bila e apostar com quem vai dancar quadrinha esse ano. Ele esta pensando na prima, a Marli, filha da tia Janete. Ela ta ficando danada de bonita.
E ele ta deixando de ser... moleque!