quarta-feira, 13 de junho de 2012

Pé-de-Moleque








Junho. Mes das quadrilhas! Santo Antonio, Sao Joao e Sao Pedro!
Bolo de milho, cangica, pe-de-moleque,...
Sabores da minha infancia. Sabores do interior do Ceara, da querida terrinha, onde se pula, danca, brinca, corre, toma banho de lagoa, de riacho, de rio, de mar, de chuva...
Pé-de-Moleque, escurinho, dentro da palha da bananeira... daquela toceira que fica logo ali, no rego de agua que sai da pia da cozinha. Nunca falta água pra bananeira. E foi justo ali que nasceu aquele pe de tomate frondoso, que a mae vai catar um tomate bem maduro pra temperar a panela do frango... aquele curijó... almoco do domingo!
Pé-de-Moleque, temperado com erva doce que o moleque foi correndo comprar na venda do tio Jarbas.
Pé-de-Moleque, enfeitado de castanha de caju, daquelas que o moleque ajudou o pai a juntar debaixo do cajueiral, assou na palha do coqueiro, o mesmo coqueiro do qual a mae quebrou o coco para temperar a tapioca de manha bem cedo. Castanha inteira é pra venda, quebrada ou murcha é pra boca... do moleque. 
“Ah! Se se quebrar bem muita!”- sonha o muleque enquanto vai tirando o miolo da castanha quente e ficando com os dedos escurecidos, igualzinho ao seu pe, ali sentado ao lado da mae e da irma, debaixo do cajueiro “da cozinha”, onde corre mais vento, um ventinho fresco da tarde... 
Ta escurecendo, a mae levanta e diz que vai passar um cafe fresquinho. Aquele torrado no tacho, pisado no pilao e cuado no saco de pano de algodao. Ai que gostoso.
 Cafe quentinho e tapioca com coco!- tambem bem cedinho... e o cheirinho da tapica que a mae assa e poe no pau, pra ficar durinha, crocante igual a biscoito.
Assim o moleque tem forca de correr o dia todo... vai pra escola de bicicleta e no recreio joga bola com a molecada, tudo parente e amigo, primo, filho do padrinho, primo do primo do pai, da mae, ... uma familia grande...
Pe-de-Moleque, gostoso torrado no forno da casa de farinha... pelo tio Manoel, que faz os melhores da cidade! Ele tambem é o melhor pra torrar a farinha, o melhor forneiro da regiao. O moleque ajuda o tio quando ele deixa.... torrar farinha é trabalho de responsabilidade. Tem que saber o ponto certo pra nao deixar a farinha crua nem queimada. E o moleque fica ali, aprendendo o ponto certo... quando cansa, corre e vai brincar de piao ou de bila com os primos. Farinhada é uma festa.
No final de semana, quando o pai nao grita pra fazer nada, o moleque escapole cedo e vai pra lagoa. 
Lagoa cheia. 
Inverno bom. 
Fartura na porta do terreiro.
Pular da tabua, nadar ate o fundo, dar tainha na agua. Depois correr e se salguar de areia so para tirar em seguida noutra tainha.
A mae chega mais tarde com as meninas e comadres. Ficam mais no raso. 
A mae nem se preocupa com o moleque. Aprendeu a nadar ainda bebe de colo, ali mesmo nas aguas da lagoa... assim como a molequinha mais nova, que agora mesmo aprende a andar e cair sentada na beira dagua, e todos acham muita graca da bravesa da menininha. 
Cumprade Pedro vai matar um porco no sabado. Ja convidou todo mundo conhecido para a matanca... os homens vao logo de madrugadinha. A cumadre so chega mais tarde, para ajudar a prima com o sarrabulho. E a molecada fica no cajueiral do terreno, bincando. 
Os pes vai ficar escurinhos, pretinhos... da cor do bolo: Pé-de-moleque!
Da cor nossa de cada dia, pois tira o chinelo para correr e pegar o frango do almoco do domingo. Aquele curijó, grandao que ja ta querendo pegar as galinhas e briga toda hora com o galo... mae nao quer ele de reprodutor nao. 
“Vai moleque, pega o frango curijo e bota no grajal!”- grita a mae do pe da porteira da cozinha. 
E la vai o moleque, na carreira, atras do frango ligeiro, que da cada rabiada, que deixa o moleque ali no pe da moita. A mae solta a “Traira”, a cachorra da casa, pra ajudar. Sem a ajuda da Traíra o moleque nao pega o frango hoje nao... acaba escapulindo pro mato, aí... adeus!
Traíra segura o frango, mas nao fere.
O Curijó vai ficar no grajal ate domingo cedinho, pra limpar. Agora a mae vai botar so milho pra ele comer... e talvez um restinho do farelho...a sobra do balde da comida do porco... que tambem esta na engorda pro batizado da pequena... vai ser na festa da santa. A mae fez uma promessa.
Só a tardinha a mae grita: “Vai tomar banho menino, limpar esses pes e lavar a chinela! E nao vai mais pro terreiro hoje nao!”
Ja faz tempo que o pai vendeu umas sacas de castanhas e comprou a televisao com a parabolica. Mas ele so deixa assistir depois que faz o dever de casa. 
O moleque so vai fazer o dever de casa, depois que toma banho a tardinha... quando a mae grita! Nas sextas ele escapole cedo, pois a mae vai pro terco na casa da comadre e ele vai brincar de bila com os primos. 
É mais divertido do que ficar ali, sentado na frente da televisao assistindo aquelas novelas. Novelas sao para as mulheres... ele quer ser macho igual ao pai.
Mas ainda esta muito cedo pra tomar uma meiotas na budega do Chico. Entao o jeito é brincar de bila e apostar com quem vai dancar quadrinha esse ano. Ele esta pensando na prima, a Marli, filha da tia Janete. Ela ta ficando danada de bonita. 
E ele ta deixando de ser... moleque!

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Remedio para depressao?!!!!!!





Duas semanas antes eu a tinha levado para a emergencia, com dor de cabeca, enxaqueca. Eramos vizinhas e ela havia se separado ha oito meses. Estava tao abatida, vivia doente! Tinha recaídas de amores pelo ex, que diga-se de passagem era um tremendo mulherengo.
Ela nao o amava fazia tempos e estava com ele pelos filhos. Foi so terminar o curso de cabelereira, montar seu gabinete, o vagaba largou o trabalho e se alojou na melhor poltrona do salao, fiscal da mulher ou fletante das clientes... tanto fazia. Era descaradamente galinha. A casa caiu quando ela descobriu que ele desfazia os cabelos das clientes que ela penteava com tanto zelo e dedicacao. Foi o fim de uma parceria de onze anos.
Entao, apos a separacao, ela foi murchando, ficando nervosa, tendo crises de depressao cada vez mais constantes... e as dores de cabeca, que geralmente comecavam as quatro da tarde, foram se extendendo virando enxaqueca dias a fio.
Devido ao meu trabalho eu passei essas semanas viajando. Chegava em casa para trocar de roupa e dormir, viajando no dia seguinte bem cedo para outra cidade. Tempos divertidos porem cansativo.
Tirei alguns dias de folga e resolvi dar uma arrumada no cabelo. Fui ao salao da Margarida!
Ela nao estava, e sua filha mais velha que ficara para recepcionar as clientes, explicou que ela estava chegando.
Margarida chegou avorocada, como sempre, com um pequeno embrulho dentro da sacola que logo foi escondendo na ultima gaveta de sua mesa de trabalho.
“ O que é isso, mamae?”- valeu uma: “nao é da sua conta!” aspero que deixou todas nos curiosas.
Quer mexer na curiosidade de uma mulher, diga que algo é segredo. Palavra chave para comecar o interrogatorio inteligente.
Por aquela frase: Mulher tu demorou tanto... ate a pergunta se tinha muita gente no centro... nao dava muito pra desconfiar, mas o cerco foi se aproximando e a cada cliente que era despachada, Margarida suspirava: “Vai embora mais uma... estou quase conseguindo manter meu segredo intacto.”
Sai do salao de cabelo limpo, cortado, penteado e sem que minha curiosidade fosse saciada. Mas eu tinha paciencia... a noite eu voltaria. Eu tinha tempo. Aquela caixinha nao parecia ou parecia com tanta coisa... mais ou menos trinta centimetros de cumprimento, ... uma escova nova ela nao esconderia, ... um secador de cabelos.. nao,... a caixa era muito cumprida para isso. Era algo que Margarida queria manter em sigilo. Nao mostrou a aquisicao pra ninguem! Tem algo de muito estranho nisso ai.
Fiquei em colicas!
Voltei ate a roer as unhas!
Voltei ao salao minutos antes de fechar e sabia que Margarida estava sozinha.
Ela se mostrou impaciente, irritada e ... com dor de cabeca.
Perguntei discaradamente o que ela havia comprado.
“REMEDIO PARA DEPRESSAO!” foi a resposta. Disse que uma conhecida havia aconselhado e ela comprara.
Pedi a ela que se fizesse efeito ela me avisasse para eu tambem ficar sabendo, por via das duvidas... eu nao tinha tempo para depressao naquela época.
A vida retomou sua normalidade e demorei alguns meses para retornar ao salao da Margarida.
Quando cheguei mal a reconheci: um novo visual, cabelo cortado bem rente, pintado de vermelho, brincos, pulseiras... maquiagem.
Eu pensei logo: “arrajou um namorado, ou se apaixonou por alguem” – eu sabia que nao tinha voltado para o marido.
Nada! Estava sozinha e nao queria um namorado tao cedo!
Ai tinha coisa... nao pode. Margarida sempre fora tao folgosa... desde a época da escola. Nao passava muito tempo sozinha. Mas agora nao queria dar padrasto as suas filhas – tinha duas e a mais velha ja estava uma mocinha muito linda.
Convidei Margarida para fazermos um bolo juntas, na sexta a noite, pois eu queria aprender a receita dela. Ela aceitou. Caiu! Vou descobrir que misterio é esse.
Na sexta Margarida chegou toda alegre, sem dor de cabeca, bem disposta, cheirosa... para se encher de farinha de trigo, cheiro de ovos, ... trouxe umas cervejas para gente beber enquanto o bolo assava.
Foi entao que descobri. Estava totalmente curada da enxaqueca, estava cada dia mais alegre, mais segura de si mesma. Estava ate mais bonita, a pele limpinha e me garantiu que nao estava usando nenhum creme especial.
Entao, era o segredo! O tal remedio para depressao.
Realmente. Ela fez tudo conforme a outra amiga havia ensinado. Nem pensava mais na anta do ex marido. Estava satisfeita, trabalhando, sem dores de cabeca...
Enfim, que diabos de remedio miraculoso foi esse Margarida?
“Um brinquedinho que comprei no sex-shop! Esta sempre a disposicao. Satisfaz quantas vezes forem necessarias; tem suas deficiencias, mas compensa pela disponibilidade. Agora so entra um homem na minha casa se valer realmente a pena! O que ganho no salao da para viver bem com as meninas, nao tenho medo de expor minhas filhas a um homem estranho e ... bem, foi o dinheiro mais bem gasto que fiz!”
Nao suportei. Cai na gargalhada. Fiquei ali, olhando a explicacao de Margarida e me lembrando no ditado de meu pai: “Quem nao tem cao, caca que nem gato!” -  Epa, gato caca sozinho!
Cada um tem sua depressao e cada um que descubra sua própia cura.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A rede e a convalecencia





Estive esses ultimos cinco dias de cama… ou quase.
Eu nunca consigo ficar realmente de cama; foram só os dois primeiros que nao tinha condicoes mesmo de me levantar... mas .... mesmo assim nao me entreguei totalmente: fiquei na cadeira, no sofa... na cadeira novamente.
Sabe, nessa horas eu morro de saudade da minha rede! Como é bom ficar deitada numa rede, principalmente quando se esta doente. A rede é tao aconchegante, voce se vira de um lado para outro com facilidade, parece que esta nos bracos de alguem que te ama muito... é mesmo, rede parece colo de mae. Como preciso de uma rede nestes dias de febre alta, dores pelo corpo, zumbido nos “zuvido” e dores infinitas. Entao pra driblar o frio – provocado muitas vezes pela febre – a gente vai enchendo a rede com aqueles lencois velhos, macios, para nos tao cheirosos, mesmo que para os outros nem tanto. Tudo vai ficando tao aconcegante... mais um paninho debaixo da nuca... um lencol especial para os pes; quando a gente se da conta tem mais lencol do que espaco para nos mesmos. Eles nao conseguem ficar dentro da rede, a todo momento tem um no chao ou outro pendurado. E se a gente tem bichinho em casa, vai ta ali, debaixo da rede para nos confortar, com aquela cumplicidade companheira, sendo o primeiro a ser pisado numa saida rapida de emergencia rumo ao sanitario... local que so vamos nas ultimas, pois voltamos a sermos criancas no aconchego materno da rede. Dai so saimos nas emergencias das emegencias, quando o senso de adulto nos avisa: “Voce ta bem grandinho pra isso!”
Para se tomar um copo de qualquer liquido, quente ou gelado, é um verdadeiro suplício. Alem do gosto de papel velho, cabo de guarda-chuva que impregna todo e qualquer alimento solido... a gente comeca a olhar para o prato e lembrar da tortura que sera encolhir aqueles pedacinhos de macarrao... com carne moida... ou simplesmente a sopinha... ai, ai. Vai enfrentando, no inicio, com a dignidade de um cavaleiro da tavola redonda, enquanto vai ingerindo o essencial para nao morrer de inanicao... depois faz aquela cara de nojo misturado com desespero mesmo e afasta o malfeitor, o prato, que ja cheira ruim, tem gosto ruim e agride nossa garganta: parece mais macarronada de arame farpado! Jesus me acode! Isso tudo foi apenas delirio meu, gente, pois se eu quisesse comer alguma coisa, tinha que ainda preparar... e para o outro pequeno tambem!
Ainda bem que o estoque de leite e nescau aqui de casa nao o deixou falecer faminto diante da famigerada televisao... mas que ajuda, ajuda.
Enquanto eu padecia e sobrevivia a custa de anti-termais e antibioticos, ele se deliciava com nescau gelado, biscoito champanhe, pao com marmelada, frankfurter com ketchup, biscoito de caramelo e quando muito, um schinkenparisen quentinho. Aff! Eu doente e o filhote agradecendo.
Ele foi tao gentil... mama eu vou fechar a porta, pra voce descansar, tá? – desconfiei... levantei a duras penas e ... intuicao de mae nao se engana, mesmo embotada... dois quilos de sorvete à sua frente, no tapete da sala, se deliciando com o Tom e Jerry!!!!!
Cinco dias de ferias total... agora vou levar quantos meses para faze-lo voltar aos eixos?
E o cerebro? Esse pifou! Fechou pra balanco! O tico e o teco se perderam totalmente no emaranhado de sonhos e pesadelos, entre um abrir de olho e outro. Dor de cabeca.
Tentei, mas o reumatismo mental nao me deixou ler, escrever, pensar, medidar... nada. Meu querido cerebro desligou, saiu de ferias, fechou a producao de pensamentos e muito mais de entendimento. Lembrancas?! Essas foram totalmente esquecidas.
E tudo por causa de uns quinze minutos de chuva! Inacreditavel, ne?
Continuo aqui, agora acabando meus intestinos com penicilina... vamos ver se a medica acerta desta vez! Ela vai acabar com a infeccao na garganta, ah vai, e comigo tambem. Mas depois ela trata do resto: estomago, pancreas, intestino... e quem vai cuidar da minha depressao, da minha saudade de uma rede na varanda, de passeiar na beira da praia, ... sal... acho que vou suspender tudo e fazer gargarejo de sal grosso com vinagre e limao. Santo remedio da minha mae, aprendido com a mae dela e assim vai ate os mais remotos ancestrais pre-historicos..... afff. Depois tomar um banho de sal grosso tambem... ajuda né?
Pois é... gripe se trata com cachaca com limao, dor de garganta, limao com vinagre e sal, dor de estomago, cha de afavaca, diarreia, cha da folha da goiabeira... e vai por ai. Amigos medicos que me perdoem... mais vale a fe do que a oracao!
Antes que as engrenagens travem novamente, vou pra minha cadeira do Ikea, confortavel, transformada em rede na minha imaginacao!